One more pill

Observou pelo olho mágico quando a campainha tocou, abriu a terceira gaveta da cômoda ao lado da porta, viu que o puxador está se soltando, precisava lembrar de arrumar depois – e já era a sétima vez que percebia isso -, pegou um dos pequenos embrulhos, escancarou a porta, trocou o embrulho por um maço de notas, fechou a porta, o dinheiro foi para um dos inúmeros bolsos da calça larga. Todo o procedimento não levou mais que 5 segundos, e não precisou de uma palavra sequer.

– O que esse cara levou? – Alex teve que perguntar depois de observar a rápida transação.

– DPD.

– Ele vem muito aqui? Por que nessa velocidade, ou o cara tá aqui todo dia ou você virou vidente.

-Uns 150 por semana.

Alex não conseguiu conter a cara de espanto e assoviou alto.

– Como alguém pode querer se entupir dessa porcaria?

– É difícil explicar… não é que seja uma sensação boa… – Falou coçando a cabeça recém-raspada, voltou a mesma gaveta, pegou uma cápsula cinza e jogou pro Alex. – …esse é um brinde. Só esse.

O garoto engoliu o famoso e tão temido Depressed imediatamente. O efeito foi quase que instantâneo, as linhas de expressão tomaram outra forma, seus olhos se avermelharam e podia-se ver a sombra de uma veia pulsando em sua testa.

– Já te falei sobre a Lisa cara?

Ele assentiu, sentou no beiral da janela onde costumava fumar seu careta e começou a apreciar o espetáculo.

– Um dia ela simplesmente fez as malas e sumiu. Assim – estalando os dedos – pegou tudo que era dela, até os meus livros King. Eu nem tinha terminado de ler todos – Alex começou a rir para si mesmo descontroladamente, como se pensasse de repente, na ironia da vida.
“Acho que ela tinha falado alguma coisa sobre o meu trabalho… Meu trabalho é um lixo, cara. Entregar pizza é ruim pra burro sabe? E eu nem sou um bom entregador de pizza, eu sempre me perco, e as pizzas chegam frias, só na semana passada eu tive que levar três delas de volta, e ouvir um pacote do Seu Lúcio. Mas você sabe o porquê disso né? De quem é a culpa? Meus pais nunca me apoiaram. Nunca! Eu teria sido um bom contador. Não! Eu teria sido o melhor contador dessa cidade. Agora, olha pra mim! Diz pra mim o que eu sou, velho.”

– É amigão, você é um bosta. – Ele esboçou a coisa mais próxima de um sorriso que conseguia e acendeu um cigarro. Refletiu por um tempo, ignorando a choradeira, sobre o que a vida tinha se tornado, mas pelo menos tinha conseguido mais um cliente.