Homem Grafite

Esse lápis que agora seguras em tua mão já esteve na floresta. Era parte de uma árvore frondosa que daria frutos que dariam frutos e cuja vida se perpetuaria. Tinha raízes fixas na terra e passarinhos nômades nos galhos. Esse lápis era parte de uma árvore e não é mais. No seu interior, se esconde um carbono que poderia ser diamante, mas que deixou a dureza de lado e escolheu ser grafite. Tudo isso porque o homem precisava escrever.
E este homem, entretetido com a sua capacidade de transformar a natureza em ferramenta para o cotidiano, não percebe que em muita coisa o criador se assemelha com a criatura. Este homem, que também já teve raízes fixas na Terra Mãe, cortou-as e foi para as cinzas fábricas, assim como o lápis em sua fabricação. Dentro deste ser humano também há carbono, que poderia ser pedra bruta e rara, mas que na maioria das vezes se deixa transformar no macio grafite.
Escrevendo e trabalhando, ambos vão tentando deixar suas marcas, seja na história da humanidade, em uma galeria de arte ou em um bilhete de amor. Homem e lápis tentam, arduamente, deixar gravado os sentimentos e as ideias, enquanto fogem freneticamente dA Borracha. Ela, que sem pensar duas vezes, apaga o que julga desimportante, enquanto outro lápis coloca outras ideias no lugar.
E, com a evolução da mente humana, alguém surge com a brilhante invenção de acoplar A Borracha ao pobre lápis, que passa então a ter frações de segundo para escrever o que é certo, ou tem seus traços apagados. E num ritmo frenético e sob constante pressão pontas se quebram e o lápis torna-se usuário assíduo dO Apontador. Este que, percebe-se pelo nome, tem a impiedosa tarefa de fazer nascer uma nova ponta, mesmo que isso lhe custe lascas daquele ex-pedaço de árvore.
Assim também o homem precisa, cada vez mais, escrever sempre certo, bonito, coeso e coerente com a vida e com as pessoas. Precisa escrever mais em menos tempo. Escrever coisas mais importantes. E, não bastasse trabalhar exaustivamente, ainda enfrenta em seu cotidiano a presença constante dA Borracha e dO Apontador, sempre prontos para a qualquer instante corrigir e diminuir aquele esforçado homem. E assim, ele tristemente percebe que os seus traços e a si mesmo estão expostos a um perigo constante: o perigo de tornar-se inútil, em meio às suas pontas quebradas, o perigo de desaparecer, sem sequer deixar um traço para trás.