Maldito Coração, de JT LeRoy

por Amanda Melaré

Perturbador. Se eu tivesse que escolher uma palavra para definir o livro Maldito Coração, de JT LeRoy, seria Perturbador.

A Wikipedia me disse que Jeremiah “Terminator” LeRoy é o pseudônimo usado pela autora norte-americana Laura Albert. LeRoy teria supostamente nascido em 31 de outubro de 1980 e sofridos vários abusos durante a infância e adolescência. Sendo assim, Maldito Coração seriam os primeiros relatos desse período conturbado.

Eu ganhei o livro quando tinha 16 anos. Lembro de ter lido e achado muito estranho (e a capa um tanto quanto angustiante), mas não dei muita importância para isso e o guardei na estante. Agora, com tempo e vontade para ler, resolvi dar mais uma chance para essa história aparentemente esquisita.

O livro conta como o pequeno Jeremiah foi tirado de seus pais adotivos para viver com sua mãe biológica, Sarah, uma prostituta juvenil que carrega o filho e o saco de lixo com seus pertences para onde quer que seus namorados a levem.

Passando por paradas de caminhoneiros, clubes de striptease e a igreja liderada por seus avós, Jeremiah troca de personalidade como um camaleão troca suas cores. Ora tem que ser um bom fiel, que se lava em água fervendo para livrar-se de seus pecados e apanha de seu avô para manter Satanás longe de seu corpo. Ora precisa se passar por irmã de sua mãe, vestindo-se como menina e fazendo cachos em seu cabelo comprido, para que o namorado da vez não os mande embora. Assim, Jeremiah cresce em solo instável, perdendo a referência do certo e do errado e sem nunca saber bem quem ele é.

Uma passagem particularmente agonizante é a que Jeremiah passa cola em seu troço (como Sarah o ensina a chamar sua genitália) e o gruda para trás, querendo escondê-lo porque 1) é um troço maligno e 2) ele quer ser uma menina bonita, como a mãe. Jeremiah então se veste com um babydoll de Sarah e, passando-se por uma menina, seduz o padastro. Quando a mãe descobre e ele se refugia em uma casinha de cachorro abandonada, vem a vontade de fazer xixi e, com ela, o dilema: como desgrudar o troço?

A narrativa, devo dizer, não é para qualquer um. Embora o livro seja muito bem escrito, com linhas de expressão e um vocabulário bem trabalhado, é preciso ter estômago, coragem e ousadia para virar as páginas. O livro é agressivo, é realista, é bruto.

Mas, uma vez que você enfrenta tudo isso e chega à última linha, é recompensado com várias reflexões. Reflexões sobre ação e reação, atos e consequências e sobre formação de caráter. Você pensa em como a vida daquele personagem, daquela criança, poderia ter sido diferente. Como ele poderia ter sido fantástico, se tivessem lhe dado a chance. Como as coisas que saem de nossas bocas podem influenciar as coisas ao nosso redor.

Te fiz desistir do livro? Achar que o mundo já é triste o suficiente pra esse tipo de leitura? Não, não desista.

Fica a dica, para os aventureiros.

E, quem quiser, também pode assistir o filme.