Por que não estamos falando de The Get Down?
Há mais de um mês a menina Netflix estreiou The Get Down. A produção, que custou nada menos que 120 milhões de dólares para ir ao ar, é dirigida por Baz Luhrmann, o nome por trás de grandes musicais, como Moulin Rouge e Great Gatsby. Ainda assim, pouco se fala sobre o que, para mim, é a melhor série do ano (sorry, Stranger Things).
A série passa em 1977 e conta a história de Ezequiel “Zeke” (Justice Smith), um garoto do Bronx que, após a morte de seus pais, perde também seu propósito na vida. Ao lado de seus amigos, Ra-Ra (Skylan Brooks), Boo-Boo (Tremaine Brown Jr.), Dizzee (Jaden Smith, em sua melhor atuação) e Shaolin Fantastic (Shameik Moore), e do amor da sua vida, Mylene Cruz (Herizen F. Guardiola), Zeke encontra na música e na poesia mais do que uma forma de expressão para seus sentimentos – encontra o seu destino.
Com o hip hop como fio condutor da narrativa, os episódios falam sobre a representatividade negra, o grafite, os movimentos políticos da época e a transformação da música gospel a partir de influências pop.
A trilha sonora conduz e unifica as histórias dos personagens – em muitos momentos, a mixagem combina duas ou mais cenas com canções diferentes mas com a mesma batida, simulando o trabalho do DJ, peça-chave na trama. No Spotify você encontra todas as músicas – eu super recomendo Get Down Brothers vs. Notorious 3, Set Me Free, Zeke’s Poem. As cenas também são um banquete para os olhos: com um visual retrô, cores quentes e vibrantes, por todos os lados há estampas, cartazes, texturas e grafite – muito grafite.
Aliás, Zeke’s Poem é a leitura de um trabalho de escola do personagem, o primeiro momento em que o espectador conhece a genialidade do rapaz e enxerga no poema a história universal da marginalização. Você pode ver o texto original aqui ou a minha tentativa de tradução, abaixo:
Boom! e então Crash!, o vidro estilhaçando
Eu mergulho para o chão, rebentando minha bunda
Que diabos foi isso
Foi tudo que eu disse
Então eu vejo a poça de sangue
Então eu vejo minha mãe, ela está morta
Nenhuma emoção na comoção
Eu nem estava triste, nem mesmo quando eu descobri que a bala era pro meu pai
[A guerra do] Vietnã deixou meu pai louco, mas ele já estava meio morto
Então por que não podia ter sido ele que levou um tiro na cabeça?
Todas as notícias que foram publicadas
A morte da minha mãe não foi declarada, nem um cheiro, nem uma palavra, nem uma sugestão
Eles não ligam para nós pretos, foi o que meu pai explicou
Mas eu nem sabia que eu era um preto até meu pai proclamar
Seis meses depois, meu pai está morto também
Tires relacionados a drogas, sua pele ficou azul frio
No noticiário naquela noite a esposa do presidente tem um novo penteado
O apresentador diz: Eu gosto disso e você?
Nenhuma notícia sobre meu pai no Post ou na CBS, por que você pergunta?
Dê a p* de um palpite
E sim, isso era o que os políticos deveriam estar se perguntando
Mas quem tem tempo para essas perguntas quando está esquiando em Aspen?
Minha mãe tão linda que faria sua cabeça girar
Nivele o campo do jogo e vocês vão ver quem realmente vai ganhar
E sim, eu tenho raiva
Mas eu não vou deixar isso me colocar pra baixo, minha mãe me ensinou melhor que isso
E ela me segura quando eu caio
Descanse em paz, mãe
Não se preocupe com seu filho
Um dia vou te deixar orgulho, porque sim, eu sou o escolhido
Apesar do recorte – Nova Iorque, anos 70 – a história é bastante similar com a trajetória das periferias e suas expressões artísticas. Exemplo disso é a fala do Emicida, após assistir à exibição em NY, a convite do Papelpop:
Achei um arregaço. Uma parada bonita. Foi foda porque mesmo sendo uma história original dos EUA, a quebrada é tudo igual. Favela é tudo igual. Ver como nossos pais tiravam uma onda na disco, ver como isso nasceu ali e depois se transformou no hip-hop e como isso se espalhou no mundo e virou essa cultura foda que deu origem a nós todos.
Se nada disso te convenceu a correr para assistir The Get Down ♥, eu deixo o trailer abaixo, com pequenos spoilers, mas alto poder de convencimento.