Quanto mais me afasto deste livro, mais gosto dele. E não, isso não é uma crítica.
Eu já sabia que o livro era famoso, e da existência de um filme baseado nele, o que eu não fazia ideia era do que tratava.
Chutaria que o cheiro do ralo é uma metáfora para as sujeiras da humanidade, ou algo do tipo. Mas me deparei, claro, além da metáfora, com um personagem perturbado com a fedentina do ralo do banheirinho que precisa de conserto.
O personagem sem nome é dos mais odiáveis, leva a vida comprando antiguidades, a cada pessoa que entra para fazer negócio tem a preocupação de dizer que o cheiro vem do ralo, temendo ser confundido com a origem do bodum.
Tendo desmanchado com a noiva às vésperas do casamento, não demonstra qualquer sentimento, ao passo que se apaixona pela bunda da atendente da lanchonete em que almoça todos os dias, da qual não é capaz de lembrar nem o rosto quando necessário.
O enredo pode parecer um pouco sem sentido, mas tudo se encaixa perfeitamente no ritmo seco e acelerado de Mutarelli. O premiado quadrinista se consagrou logo neste que é seu primeiro romance. Usa a precisão dos diálogos dos quadrinhos numa estrutura literária que pode parecer estranha à primeira vista, mas flui como se não faltassem marcações e parágrafos.
Batem na porta, volto à escrivaninha. Entre. Ele entra. Em suas mãos uma flauta.
Minha boca amarga. Se eu tivesse uma bala. Framboesa.
Esta flauta tem muita história para contar. Ele sopra umas notas. Não aguento. Rio. Rio sem poder me conter. Rio por tudo e de todos. Ele para. A flauta cala. Dou minha oferta.
Ele ri.
A vida é dura. Falo.”
Ao fechar o livro senti desgosto, mas era do protagonista, esse homem mesquinho que trata a todos com desprezo e age como se o dinheiro comprasse tudo, e mesmo assim não é capaz de pagar para alguém resolver o raio do problema do ralo. Depois de um tempo distante vejo que todo mundo carrega, mesmo que ínfimo, um mal cheiro consigo.
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Editora: Companhia das Letras
Páginas: 184
Para quem quiser conferir, a versão cinematográfica foi estrelada por Selton Mello, e apesar de uma certa preguicinha minha não dá pra negar a qualidade das obras nas quais ele se envolve.