Esse texto é a continuação do conto Quando encontrei minha… (Parte 1), Quando encontrei minha doppelgängster (Parte 2) e Quando encontrei minha doppelgängster (Parte 3).
Funciona assim: uma começa, a outra termina e vice-versa. O tema é escolhido por quem começa e é surpresa pra quem termina, só descobrimos junto com vocês, quando for publicado. Clique nos links para relembrar!
Estava mandando-a para o inferno nos meus pensamentos e tentando raciocinar um jeito de sair dali quando o Jacaré escancarou a porta e gritou para Priscila (a rainha do deserto tráfico) que os fardados estavam na área.
Minha versão antagônica levantou com tanta pressa que virou o bule de chá em cima de mim.
– FILHA DA P… – o tapa na minha cara não me deixou terminar. Jacaré estava me amarrando, enquanto eu sentia a bebida quente descer pela minha perna, molhando até as meias e possivelmente meu celular.
– Você fica quietinha e não se esqueça que por falta de um clone, eu tenho dois, o que te torna completamente descartável – sibilou Priscila.
Atravessamos alguns cômodos que nos levaram à parte de trás da casa, onde um Chevette nos esperava. Fui empurrada para dentro, com Jacaré ao meu lado, Priscila no banco da frente e um dos capangas dirigindo, com uma tatuagem no braço que dizia Guiado por Deus, amado pela minha mãe.
– Por que está me levando? Não era isso que você queria: me entregar para a polícia?
– Queridinha, tudo tem a sua hora. E quando eles te descobrirem, eu já estarei nas Bahamas. – disse Priscila antes de enfiar o capuz preto e fedido na minha cabeça.
Seguimos por uma rua esburacada e só Deus saberia meu paradeiro. Quando tiraram o capuz, estavámos no que parecia ser uma chácara, pelas árvores entrevistas na janela. O típico lugar que a polícia invade nos filmes. Eu precisava dar um jeito de usar meu celular – se é que o chá não o estragou.
– Eu preciso ir ao banheiro. Por favor.
Olhares enviesados me diziam que eu não seria atendida.
– Por favor, estou naqueles dias e com muita vontade de fazer xixi.
– Jacaré, leva essa menina pro banheiro e fica na porta esperando, antes que ela faça uma sujeira aqui na sala.
Entrei no banheiro e liguei a torneira. Abri o celular e constatei que 1) ainda estava funcionando e 2) estava sem sinal. Droga de fim de mundo! Antes que eu pudesse pensar em outra estratégia, a voz de um megafone gritou:
– Aqui é a polícia. Nós sabemos que existe um refém na casa. Entreguem a moça e saiam com as mãos para cima.
Houve uma batida violenta na porta do banheiro e eu a abri, fingindo abotoar a calça. Jacaré estava no chão, inconsciente. O capanga com a tatuagem no braço me puxou e disse: Corre, se salva!
– Mas a polícia…
– Eu sei, fui eu que chamei. Quer dizer, minha mãe. Ela quer me ver livre da Priscila há muito tempo.
Quase sem acreditar, tropecei no pé do Jacaré e saí em disparada. Priscila estava amarrada e amordaçada na sala.
– Tchau, Pri, querida.
Abri a porta da casa e saí com as mãos pra cima.
– Parada aí, Priscila! Nós queremos a refém primeiro.
– Sou eu! Eu sou a refém, por favor, me ajudem!
– Priscila, estamos avisando! Fique parada ou vamos atirar!
– Não! Eu não sou a Priscila! Eu sou…
Caí com as costas no chão e uma bala no peito. O céu estava azul e cheio de nuvens. Um lindo dia pra se morrer.
Acordei assustada e com a cama molhada de suor. Me apalpei para ter certeza de que estava viva e de que tudo tinha sido apenas um sonho – sorte!
Tomei um banho, vesti a roupa do trabalho e passei na padaria para o desjejum. A garçonete derrubou metade do meu café ao colocar a xícara no balcão. Quando estava prestes a reclamar da sua falta de jeito, percebi que a conhecia de algum lugar. Os cachos muito curtos davam outra moldura ao rosto e deixava a nuca à mostra como eu nunca tive coragem de cortar, mas era óbvio de quem eram aquelas sobrancelhas e o nariz nem um pouco delicado.
O maior déjà vu da história da Terra! Não era possível…
Peguei o guardanapo e estava prestes a escrever meu telefone e um “Me liga, somos iguais!” quando lembrei do sonho. Lembrei de tudo e do final.
Coloquei o dinheiro no balcão apressadamente e peguei minha bolsa para ir embora, deixando o café intacto. Passando pela porta, esbarrei em um homem. Em seu braço, lia-se: Guiado por Deus, amado pela minha mãe. Corri até não poder mais.