Dora encontrou o velho caderno de receitas nas coisas da avó, folheou as páginas gastas e manchadas lembrando-se dos doces que a adorável senhora misturou, bateu e assou até o fim da vida. Sem esperanças de um dia aprender a cozinhar, colocou o caderno junto à pilha de livros que seria doada para a biblioteca do bairro, talvez alguém aproveitasse melhor suas gostosuras.
Quando acordou no dia seguinte, o caderno estava ao lado de sua cama, aberto em uma receita com o título “Para o melhor conforto, biscoitinho de coco”. Dora achou graça da rima, sua mãe devia ter encontrado o caderno e colocado ali na noite passada, ainda assim pensando que não teria utilidade colocou de volta na pilha de livros.
No caminho pro trabalho ela e a mãe levaram as caixas de doações, as roupas e sapatos para o lar dos velhinhos e os livros para a biblioteca, a vovó era uma mulher de poucos caprichos.
Dora ficou pensando na mulher de quem herdara o nome, era uma tradição na família havia séculos, e ninguém sabia quem teria sido o engraçadinho a começar, mas ninguém teve coragem de terminar, a primeira neta sempre se chamava Isadora, assim mesmo, sempre pulando uma geração, a filha de uma Dora tinha a liberdade de outro nome, mas a primeira neta já estava fadada antes de nascer. Hilárias e surpreendestes histórias ainda eram contadas sobre essas mulheres, que conquistaram homens importantes e mudaram os rumos da história usando apenas seu jeitinho. E o mistério de nenhum outro apelido funcionar, eram Doras, ou Dorinhas se ainda pequenas.
Tarde da noite, quando chegou em casa querendo apenas descansar do longo dia, em cima de sua cama Dora encontrou novamente o caderno aberto, “Para o melhor conforto, biscoitinho de coco”. Ela não era uma moça supersticiosa, mas achava melhor não contrariar os mortos. O próximo domingo seria o primeiro sem a vovó em que a família toda se reuniria, a moça que só pisava na cozinha de passagem pra área de serviço resolveu madrugar e seguir a receita teimosa.
Como era de costume, Dora serviu junto com a sobremesa, café e os biscoitinhos de coco. A família logo se iluminou e voltou a sorrir, puseram-se a relembrar os causos e peripécias da Dona Dora, que parecia ter voltado especialmente para assar aqueles biscoitos.
A jovem Dora não cabia em si de felicidade, enquanto a conversa rolava animada entre tios e primos voltou a folhear o caderno, observando as pequenas anotações cheias de graça que permeavam muitas outras receitas. Guardou com carinho essa herança da vovó, ainda ia precisar de muitos conselhos, temperos especiais e uma pitada de magia.