Amor em 7 atos
ATO 1
Faltava pouco mais de um mês para o dia dos namorados, a essa altura ele já não estava mais sozinho nos anos anteriores, era uma data especial, na verdade, a única que comemorava. Odiava paquerar em livrarias, as mulheres tinham sempre aquele ar de superiores, sempre enfiadas em algum livro com capa estranha. Mas não aquela, era o tipo perfeito, menos de 1,70 de altura, parecia não ser adepta ao padrão atual de magreza, e devia estar na casa dos 35 anos. Ela estava encarando a prateleira com Nicholas Sparks há pelo menos 10 minutos, ainda acreditava no amor.
– Já leu Noites de Tormenta? – Ele comentou, tirando-a do transe.
– Na verdade eu já li todos, estava esperando algum novo se materializar na minha frente, não vai acontecer hoje…
– Se não for muito incomodo… Você podia me recomendar um?
– Eu gosto muito de Um Homem de Sorte.
– Então é esse que eu vou levar, porque essa noite estou me sentindo um.
ATO 2
O rubor tomou conta de seu rosto, sentia-se com 15 anos novamente – uma das poucas vezes que fora paquerada. Ele a convidou para um café, que ela aceitou tentando não gaguejar. Conversaram sobre livros e filmes e romance, pois ele parecia o cara ideal: sensível e inteligente. Adoçou o café como se contasse os grãos de açúcar, querendo que aquele momento durasse para sempre.
ATO 3
Depois de dois encontros ele quis conhecer a casa dela, perguntava sobre tudo em sua vida, desde o jardim de infância – era importante estar próximo daquela mulher especial. Ela contou sobre a família, disse que tinha acabado de sair da casa dos pais, falou do casamento da irmã mais nova e da sobrinha que estava por vir. Foi convidado para conhecer pessoalmente os personagens de sua história, eles adorariam aquele homem que emanava responsabilidade e confiança.
Foram ao cinema, parque de diversões, paintball e à missa. Ele a fotografou em todos os momentos possíveis, ela tinha um sorriso aberto e verdadeiro.
ATO 4
O dia dos namorados se aproximava e o coração inquieto questionava se os encontros durariam até lá. Seria a primeira vez que ela não precisaria abrir a estante e tirar os filmes românticos para lhe fazer companhia e embalar o sono solitário. Naquela semana, achou um bilhetinho escondido na bolsa que dizia: o grande dia está chegando!. Dois dias mais tarde, ele ligou convidando-a para um jantar especial, na casa dele. “Vai ser de tirar o fôlego”, disse.
Riscou o calendário que marcava 10 de junho e foi dormir com um sorriso no rosto.
ATO 5
De uma horta orgânica no fundo do quintal ele colheu todos os vegetais e temperos naquela tarde, só cozinhava com ingredientes puros e não acreditava em rótulos. Quando ela chegou trazendo o vinho, a casa tinha o suave aroma do cozido de legumes, o prato principal ainda não estava em preparo. Serviu a cada um uma generosa taça de vinho e disse a ela que se sentisse à vontade para conhecer seu lar.
ATO 6
Circulou pela sala e foi admirar as fotos na estante, cada uma em um país diferente. Já imaginava-se posando ao lado dele, com a torre Eiffel ao fundo. Passou a mão pelas lombadas dos livros, uma grande coleção da qual ela conhecia muito pouco. Na escrivaninha algumas revistas, papéis empilhados e uma caneta Mont Blanc, um detalhe de bom gosto e classe que se refletia por todo o apartamento. Sem conseguir conter a curiosidade, decidiu dar uma olhada no quarto – os aposentos de um homem podem dizer muito sobre sua personalidade.
A cama estava perfeitamente arrumada, como se ninguém jamais tivesse dormido ali. Os móveis eram antigos e robustos, mas não davam pistas sobre a pessoa que os comprara. Apenas o guarda-roupa parecia querer contar alguma coisa: estava entreaberto, chamando-a.
Ao abrir as portas, não soube dizer o que sentiu primeiro: raiva, medo ou confusão. Presas à um quadro estavam as fotos de diversas mulheres, todas com os nomes escritos embaixo. Eram parecidas com ela e estavam felizes, como se tivessem acabado de encontrar um grande amor. No canto de cada foto, a data: 12/06/2003, 12/06/2004… até chegar a foto dela: 12/06/2013. Ouviu passos no corredor, pareciam estar vindo em direção ao quarto, mas mesmo assim não conseguia fechar o armário. Tinha alguma coisa estranha ali. Foi então que percebeu: as flores, as fotos e as velas eram, na verdade, um altar. Um altar de devoção àquelas que já não viviam mais. Os passos pararam atrás dela.
De repente, só havia escuridão.
ATO 7
Era assim que ele gostava de apreciar seu jantar, no silêncio.
A mesa posta minuciosamente com sua melhor louça, as taças de cristal herdadas da avó e a prataria de família. Agora se sentia completo, sorvendo cada parte daquele banquete, não tinha pressa em terminar, era preciso consumir por inteiro o fruto de sua devoção. Observou a cadeira vazia do outro lado da mesa e soube que jamais precisaria de companhia em sua jornada.
Todo amor necessário estava bem ali, sobre a mesa e dentro dele.
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Essa homenagem às avessas ao dia dos namorados é uma parceria entre Amanda e Denise. Resultado de uma noite entediada no Gtalk e ajustes posteriores.
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