Doug Funnie, lições de vida e a nova era da tv
Doug era um desenho à frente do seu tempo, começando pela sua aprovação em uma época em que a televisão americana não estava apostando as fichas em novas ideias. Jim Jinkins, o criador do popular personagem pré-adolescente, ficou ainda mais surpreso que seu projeto – a maneira encontrada para se expressar e processar os acontecimentos do seu dia – fosse ganhar voz e movimentos.
Doug nasceu como um alter ego. A princípio seu nome era Brian, mas Jinkins achou que esse era um nome muito sofisticado e decidiu mudar.
O desenhista demorou cinco anos para transformar os rascunhos de Doug em um livro (rejeitado por diversas editoras, hoje arrependidas). Na época, ele morava em Nova York e trabalhava na Nickelodeon, mas não quis usar sua posição para promover a ideia de uma série sobre Doug. Foi então que um amigo falou para fulano que disse para ciclano que pediu para beltrano passar o contato da Nicktoons para Jinkins, que teve a oportunidade de apresentar o livro Doug tem um novo par de sapatos para a executiva Vanessa Coffey.
“Ela olhou para a capa do livro e, no meio da minha descrição sobre a ideia, ela simplesmente saiu da sala… o que, você sabe, é perturbador”, disse Jinkins. Coffey depois explicou que correu para a sala de seu chefe para dizer que fariam um piloto da história.
Com os custos de produção em mãos, Jinkins deicidiu abrir sua própria empresa, a Jumbo Pictures, adquirindo todos os direitos de Doug.
O foco do desenho era a narrativa. “A prioridade pra mim sempre foi a história. Se conseguíssemos dar o play, rir e ter uma mensagem sólida, nós sabíamos que era um bom episódio”.
Ao longo da série, a honestidade foi o ponto principal, ao lado de uma mensagem mais sutil: o desejo de ser diferente em um momento de amadurecimento muito específico. Doug quer ser especial, mas ele está na média. Ele não pode fazer muito sobre o fato de que seu nariz é grande ou que ele é ruim no basquete e pior na dança. Ele não pode se forçar a ser diferente, mas ele tem uma escolha ativa: sempre trabalhar para ser uma boa pessoa.
Essa pureza é o que Jinkins queria comunicar para a audiência. “Nós nos esforçamos muito para evitar a dor e eu pensava: E se a gente não fizer isso? E se a gente contar a verdade? Mas é complicado. No mundo adulto, a noção de verdade e mentira é complicada e eu não queria tornar isso um debate. Eu não queria mostrar as ambiguidades do mundo adulto para as crianças. Eu queria mostrar um mundo onde todo mundo levasse a honestidade a sério.”
Não há dúvida de que a vida de Doug é espelhada na de Jinkins. Patti Maionese veio de sua infância, assim como Roger e Sra. Wingo, entre outros. O piloto original, intitulado Doug não sabe dançar, foi inspirado na falta de habilidade do próprio Jenkins, que foi criado em um lar onde era proibido dançar “por causa de motivos religiosos que hoje parecem absurdas”.
Outro ponto relevante na criação de Jinkins é a cor dos personagens. “Algumas pessoas criaram essa ideia de que a liderança – o cara mais importante da série – é branco. Eu ficarei feliz em voltar atrás e pintá-lo de amarelo, roxo, magenta ou qualquer outra cor. As pessoas têm certeza que Skeeter é um garota afro-americano. E eu digo – ele é azul! Você pensa que ele é o cara da música e canta algumas rimas. Se você o vê assim, ótimo. Não é uma coisa ruim, mas eu nunca planejei isso. Skeeter é azul e é o melhor amigo do Doug”.
Para Jinkins, as cores dos personagens simbolizam a irrelevância das raças. Ele destaca que Roger é verde, assim como a querida professora do Doug, Ms. Wingo. Dessa maneira, a cor não pode ser associada com quem é bom ou quem é mau.
No entanto, a escolha das cores foi muito mais simples. Quando Jinkins decidiu colorir o mundo de Bluffingyon, ele percebeu que tinha muito mais opções que os tons básicos da pele. “Eu olhei para as 200 cores do meu estojo e pensei – Eu estou inventando isso, eu posso fazer o que eu quiser, por que parar aqui?”
Mais de duas décadas após o seu início e 15 anos do seu encerramento, o impacto de Doug é visível além da nostalgia nutrida pela geração Millenium. Se olharmos para outros shows e séries infantis/juvenis como Arthur e Malcom in the Middle, é possível identificar a estrutura e linguagem do trabalho de Jinkins.
Segundo Jinkins, ele ainda tem mais uma história para contar. Há algumas semanas, ele comentou a ideia de fazer O último filme de Doug (um complemento ao primeiro filme, lançado em 1999). Se o projeto se concretizar, falará sobre as amizades da infância e o que elas significam para nós mesmo quando acabam. “Essa seria a mensagem final da série – os relacionamentos e as amizades nos mudam e nos moldam, mas elas não duram para sempre”.
– Quanto a isso, eu tenho minhas dúvidas. Romântica incurável, acredito que algumas pessoas podem, sim, permanecer nas nossas vidas.
Quando questionado sobre o que aconteceu com Doug e Patti, Jinkins hesitou antes de responder: “Você sabe de alguém que conheceu uma pessoa aos 11 anos e acabou casando com ela?”
*Esse texto foi traduzido e adaptado do original How ‘Doug’ Pioneered A New Era Of Kids’ TV (And Taught Us A Few Lessons Along The Way), publicado pelo Huffington Post no dia 25 de junho.
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