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Olhava-se no espelho com um interesse genuíno. Observou seu rosto, tentando se lembrar de como era antes. Pegou o grampo na penteadeira à sua frente e notou que as mãos tremiam um pouco. Ajeitou a mecha do cabelo e a prendeu, deixando a franja solta, como sempre quis fazer desde que tinha 13 anos. Naquela época, achava sexy. Difícil pensar assim quando se está completando 93 anos.

Enquanto observava as rugas em seu reflexo (poderia enumerar as ocasiões em que elas surgiram), o dia ia nascendo e não demorou para que os primeiros raios de sol brilhassem em seu cabelo prateado.

Sentiu o cheiro do café invadir o quarto e, aos poucos, ouviu a casa acordar. Estavam todos ali para comemorar o grande dia. Ao entrar na cozinha, encontrou seu companheiro, amigo e amante de muitos anos. Aqueles olhos azuis que por tantas vezes a admiraram e a fizeram ficar admirada (como podiam ser tão azuis?!). Sua gratidão por ele era tão grande que, só de pensar, já inchava dentro do peito, causando aquele desconforto bom que apenas as coisas especiais nos fazem sentir. Ela o amava. Juntos, construíram uma família e tinham filhos, netos e a primeira bisneta – que havia feito sua estreia no mundo há poucos meses.

O dia passou rápido – como a vida – e já era fim de tarde quando sentaram no balanço para descansar. Ele apertou o play em um aparelhinho multifuncional, a evolução do que chamavam celular em sua época, e a música que dançaram em seu casamento os transportou de volta para aquele dia.

— Obrigada – ela disse, encostando a cabeça no ombro dele.
— Pelo quê?
— Por essa aventura. A vida foi muito mais extraordinária do que eu poderia imaginar… perfeita até nos dias difíceis.
— Você é muito linda. Eu tive muita sorte. – ela achava graça como ele ainda falava dela como se fosse uma menina.
— Escrevemos uma história bonita. Acho que podemos descansar.
— Sim. Te vejo do outro lado?
— Vou estar te esperando.

Fecharam os olhos, apertaram o abraço e respiraram fundo, como se preparando para um grande mergulho. Agora era só esperar, a hora era próxima – partiriam juntos, pois não saberiam viver separados.