O dia em que a criatividade matou o amor
O mundo em que vivia sempre estivera lá. Ela não sabia quem o tinha inventado, mas valorizava todos os detalhes. Gostava em particular do ar fresco da noite e do suave perfume das flores.
Por isso, quando ele chegou, tudo era novidade – um jovem elegante se anunciou montado em um cavalo domado, sem os traços do alazão que poderia ter sido – uma criação. Foi cortejada com uma flor ao mesmo tempo em que sua respiração estranhava a outra natureza.
Apaixonaram-se e, após o casamento, ela disse adeus à família. Deixou pais, avó e irmão, e levou consigo um pedaço de seu mundo: uma pequena flor. Embarcaram em uma viagem deslumbrante para os olhos virgens da moça, sem saber que o preço da criatividade já estava sendo pago pelos pulmões da bela jovem.
Em seu novo lar, o marido se dedicava a mais uma invenção – uma vassoura automática para economizar tempo na limpeza – enquanto a esposa decidira explorar os arredores do mundo do qual agora fazia parte.
O ar da cidade transmitia uma certa letargia, embalada pelas incansáveis engrenagens, que corriam atrás do progresso. Quando pensou ter encontrado um cão amigo, descobriu que esse, também, era fruto da perfeita combinação de peças e parafusos – o mesmo DNA da delicada borboleta. Passou por uma estufa e foi surpreendida por flores sem perfume, que não precisavam de água ou terra para brotar.
Voltou para casa buscando refúgio na lembrança que trouxera de sua terra natal, mas ela já não fazia parte da casa. O marido, vendo as pétalas murcharem, pensou que agradaria a esposa se lhe presenteasse com algo que tivesse beleza eterna. Uma planta de metal adornava a sala.
Tentou salvar a flor, mas já era tarde: as folhas haviam morrido com o pó deixado para trás pelo desenvolvimento daquela cidade. Como se seu último suspiro estivesse na esperança de resgatar o pedacinho verde, a jovem também desfaleceu – o progresso viera cobrar a conta final.
Desamparado, o rapaz decidiu que, em um mundo em que todas as coisas haviam surgido da mão dos homens, ele inventaria o amor. Construiu a peça mais delicada que poderia existir: um coração. Mas, ao instalar o motor da vida, descobriu que sua criação nunca estaria completa. Afinal, o amor é uma força criativa que não se deixa inventar.