Filhos do Pecado

I don’t ever want to let you down

‘Cause after all
This city never sleeps at night
(It’s Time – Imagine Dragons)

 

— Você sabe que precisa fazê-lo, não é questão de querer ou não. – a voz soou irritada.

— Sei, Leah. – a resposta foi um tanto frágil.

A mulher não se deu ao trabalho de responder mais uma vez. Não importava quem faria o serviço, só importava que precisasse ser realizado. Sendo como forma de entrar, sair ou permanecer, não fazia a menor diferença. Importava-se ainda menos que ele o fizesse para impressioná-la: sabia que sim, mas – mesmo que quisesse – não trocaria o líder por aquele reles novato.

— Sabe que jamais a decepcionaria. – admitiu, suplicando por atenção.

— Palavras, Conan. – continuou indiferente. – Fique quieto antes que chame atenção de alguém, vamos terminar logo com isso.

Ele se calou diante daquela ordem, acatando as regras mais uma vez. Nos instantes seguintes tudo que ouviram foram os passos na calçada e a chuva respingando sobre seus sapatos quase silenciosos.

A água dominava a noite mais uma vez, encharcando a cidade já há mais de uma semana. Água essa que tornava tudo mais fácil para aqueles dois indivíduos: encobria a aproximação, silenciaria a ação e limparia a reação.

— Cuidado – cochichou Leah. – Ela deve estar na próxima esquina.

Conan apenas aquiesceu, não daria chances para ser humilhado mais uma vez. Faria sua missão sem atrapalhar a mulher, mesmo que se arrependesse depois. Aquele era seu desejo – ou seria apenas ela? – e mataria para conquistá-lo, para ter aquela chance.

Os dois continuaram caminhando, agora mais devagar, pisando com cuidado nas poças que estavam quase permanentes no chão frio. Viraram a esquina e não foi difícil ver o vulto magro se definindo entre a escuridão e as luzes da rua. Sombra sobre sombra.

O vento que acompanhava a chuva durante toda a noite fazia com que o cabelo da garota balançasse raivoso, quase como um chicote, provavelmente até mesmo machucando sua face. Ela vestia um sobretudo para proteger-se do frio.

Frio. Pelo menos dele a garota sem nome tinha a chance de se defender.

Leah parou, virou o rosto por um breve momento, lançando um olhar ameaçador sobre Conan. Ele sabia muito bem o que aquilo significava, não teria outra chance se arruinasse o ato pela segunda vez – tentara entrar no grupo dos líderes da cidade uma vez, mas não conseguira cumprir o ritual e ganhara uma segunda chance apenas pela reputação de sua família, que era muito respeitada na sociedade do crime.

A garota sem nome não fora o alvo da outra vez, mas era ainda mais importante que o anterior. Sem nome… na verdade aquilo era apenas o que ele gostava de pensar, com medo de que saber o nome dela o fizesse recuar na hora de concluir o trabalho.

Ele afastou-se para dar a volta no quarteirão, como já haviam planejado. Não gostava da ideia de se afastar de Leah, não quando na verdade fazia tudo apenas para poder ficar junto dela. Além disso, a culpa conseguia atingi-lo ainda mais quando se mantinha sozinho naquela cidade fria e ao mesmo tempo tão viva.

Vida essa que por sua culpa iria diminuir ainda aquela noite.

Não se deixou perder em pensamentos. Focou em sua missão. Focou ainda mais no motivo de fazê-la. Conhecia muito bem a lenda das atitudes de Leah depois de terminar os serviços. Até mesmo o líder sabia e nem mesmo ele ousava interferir.

Conan pagaria o custo que fosse para tirar a prova.

Chegou finalmente por trás da garota sem nome. O equipamento preparado. Visualizou a companheira à espreita, aguardando. Aproximou-se rapidamente da anônima, prendendo-a com facilidade em seus braços muito mais fortes, bloqueando suas vias aéreas até que ela perdesse o sentido.

Leah se aproximou e ergueu logo as pernas da garota, guiando-os para o beco ao lado, no qual não havia risco de ninguém contemplar a ação. Os fios de cabelo que antes chicoteavam a face da garota agora eram arrastados no chão com o peso da água que escorria sobre as madeixas.

— Você deve fazê-lo.

— Eu sei, Leah! – dessa vez sua resposta foi um tanto desesperada.

Depositaram o corpo desacordado no chão, deitando-o sobre uma cama de água gelada. As pálpebras da garota sem nome tremeram. O frio a faria acordar logo.

Conan sentou-se ao lado dela, a faca em mãos, apenas aguardado que aqueles olhos se abrissem. Leah, porém, não era tão paciente. Aproximou-se, agarrou o rosto da garota e esfregou-o no chão irregular. A resposta veio num grito.

— Até que enfim, meretriz preguiçosa. – sibilou irritada.

— Leah, por favor. – ele pediu nervoso.

A anônima tentou levantar e foi bloqueada pelos braços do homem mais uma vez. Esperneou, tentou mordê-lo e gritou. Sem sucesso. A companheira agora se acomodou sentada sobre o corpo da sem nome, encarando o rosto vermelho da garota que olhava aflita.

— Faça de uma vez se não quer que eu interfira. – praguejou com as mãos no rosto do rapaz, os lábios molhados de chuva e muito próximos dos dele.

Conan ergueu a faca e – com o olhar fixo nos lábios da companheira – deslizou-a pelo corpo da garota, devagar e suavemente, apenas fazendo com que a lâmina cortasse a superfície da pele. A sem nome respondeu com gritos, o corpo preso contorcendo-se por baixo de Leah.

Os dois continuaram juntos, as mãos dela apertando um pouco o seu rosto, tão próximo que ele não conseguia resistir. Lábios se tocaram, apenas para se afastarem sem nenhum movimento no intervalo de ações.

— Termine. – ela pediu cheia de desejo, talvez a lenda fosse verdadeira.

Conan apertou o punho da faca entre os dedos frios. Os gritos da garota sem nome abafados pela chuva e pelo gosto daqueles lábios que tanto desejava. Deslizou a lâmina até o peito e cravou-a ali, bem onde sabia ser o coração. O sangue deslizou na pele branca de Leah e correu com a água para um bueiro próximo.

A companheira puxou-o para si, agora sim beijando-o com vontade. O prazer da vida escapando diante de seus olhos preenchendo sua mente. A perna que antes prendia a anônima agora passava pelo quadril de Conan, que mesmo não sentindo prazer na morte, não resistia à mulher em seus braços.

Leah nunca trocaria o líder por um reles novato, mas até mesmo o líder sabia que sua reação seria a mesma com qualquer que fosse o companheiro.

Conan, por sua vez, pagaria o custo que fosse preciso para tê-la em seus braços. Fazer parte da gangue garantia muitos trabalhos em equipe. Se o preço para tê-la – mesmo que por breves momentos – era a morte de falsos anônimos, ele pagaria com prazer.

Para sorte do rapaz, a lenda afinal era verdadeira.